terça-feira, outubro 16, 2012

‘Gerações’- Capítulo 17

Carlos Lopes (Geração 1969)

Carlos forçava-se a recordar, cada manhã, o dia da inauguração da escola de música. Entre a escovagem de dentes e o longo banho, ou entre o pequeno-almoço e o engraxar diário dos sapatos, a vergonha subia-lhe às bochechas ossudas, ruborizando-as. A recordação daquele dia, daquela loucura, daquela corrida desenfreada que o deixara perdido numa berma de estrada, fazia com que se alheasse do seu próprio mundo e tentasse manter-se preso ao mundo real. Tentava combater a esquizofrenia, e ultimamente tinha andado bastante estável. A escola de música era um sucesso na cidade, e rapidamente esgotaram as inscrições nas aulas dos três professores. As aulas de Carlos foram as primeiras a esgotar. A sua criatividade era altamente afamada, e era o orgulho da sua existência.

Chegou, exausto, ao fim de mais um dia interminável de aulas particulares. Tudo correra como em qualquer outro dia, até ao fim do dia. À saída da escola, viu a patroa Cindy Smith falar com o seu colega, John Blacksmith. Ambos assumiam um semblante carregado. Carlos sorriu-lhes e despediu-se, encaminhando-se para casa. Mesmo à distância, ouvia a cama chamar. Pensara fazer uma visita a Carla Rossas nessa noite, mas o cansaço falaria mais alto, desta vez. Já não sabia até que ponto o cansaço era razão ou desculpa, já que nunca tinha voltado a visitar Carla depois da recusa da prostituta em viver consigo. Lá estou eu outra vez a pensar nisto… Esquece, Carlos! Esquece!

Ia a meio-caminho de casa, combatendo os pensamentos que incluíam Carla Rossas, quando se sentiu, novamente, a ser perseguido. Parecia estar de volta ao dia da inauguração! Uma vez mais, ouvia aqueles passos, sentia a aproximação, sentia o medo.

Combateu a alucinação. Combateu o instinto. Combateu, e não se precipitou. Não correu. Não fugiu. Um louco ser revolvia-se dentro de si, impelindo-o a correr, pedindo-lhe para fugir… A ansiedade rebentava-lhe o peito com uma pressão vinda de dentro, como se alguém forçasse a saída, empurrando-lhe o tórax de dentro para fora. O peito estava prestes a explodir, mas desta vez o Carlos Racional venceu o Carlos Instintivo. Ali, passo após passo, travou o maior combate da sua vida. Combateu, e venceu. Venceu-se a si, mas não à realidade. Conseguiu vencer o impulso, mas não a traulitada que o fez desmaiar.

No dia seguinte, acordou na cadeia.

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