quinta-feira, dezembro 20, 2012

‘Gerações’- Capítulo 21

Cindy Smith (Geração 1969)

A prisão de Carlos Lopes ameaçara tornar-se num pesadelo para Cindy Smith. A sua escola de música tinha apenas três professores em actividade e Cindy não pretendia, de forma alguma, estragar a imaculada reputação da sua escola com a contratação de um rafeiro substituto para Carlos. Posto isto, as lições de Carlos tiveram de ser repartidas entre si e John Blacksmith. Valeu a Cindy o cavalheirismo de John, que acatou as horas extraordinárias como um acto de solidariedade para com Carlos e Cindy. Se fosse eu, não fazia um minuto a mais sem que mo pagassem… Sorriu matreiramente para com os seus botões. Sorte a minha não ter que lidar comigo mesma…

Nos primeiros tempos deste novo e duro esquema de trabalho, cada dia parecia uma semana. Dava aulas de manhã à noite, e o seu deitar cedo e cedo erguer depressa se tornou em deitar tarde e cedo erguer. Deitava-se cansada, levantava-se exausta. Ao contrário do que poderia pensar, no entanto, o passar dos dias não teve um poder cumulativo de cansaço, trazendo em vez disso a abençoada adaptação ao exigente ritmo diário. O pesadelo tornou-se menos pesadelo, e nos dias antes da libertação de Carlos Lopes a sua vida era quase um sonho. A sua escola rendia o mesmo que antes, mas agora pagava um ordenado a menos. A sua conta bancária agradecia, e a sua felicidade estava altamente ligada aos números que ela expressava. O simples facto de ter obtido todo este lucro durante a ausência de Carlos, tê-la-ia feito pensar no despedimento do esquizofrénico. A certeza do despedimento chegou uns dias mais tarde. Após uma aula com uma das alunas de Carlos que Cindy mais gostava, a mãe da dita aluna pediu-lhe uma palavra em privado: «Cara Cindy… Pedi-lhe uma palavrinha a sós para discutir a situação da minha filha… Não sei se está ao corrente da nossa situação…», interrogou. «Creio que não… Que se passa?», perguntou Cindy fingindo preocupação. «Eu tinha falado com o Professor Carlos… A minha filha terá uma audição importantíssima no fim do ano, e desde então o Professor vinha-lhe dando aulas particulares em casa para a ajudar a evoluir com a celeridade necessária. Desde que o Professor se ausentou, no entanto, a minha filha tem tido apenas as aulas aqui da escola, e receio que possa estar a regredir. Não sei se será possível voltar a ter umas horinhas extra, ou…». Atarantada, Cindy começou por desculpar-se, pois de momento seria impossível dar mais apoio à rapariga. A seguir, perguntando como quem não quer a coisa, descobriu que Carlos estava a receber remuneração extra com as tais aulas fora-de-horas. Depois de sacar a informação que queria, despachou a mãe com as suas cortesias forçadas.

Estava já atrasada para a aula seguinte, e por isso apressou-se para ela. Mal chegou à sala, atafulhou o aluno com exercícios de treino para que pudesse dedicar-se a pensar, ainda que por breves momentos, aos seus próprios problemas. Com que então aquele cabrão andava a dar aulas particulares nas minhas costas?… Exclusividade, pedi-lhe eu. E é assim que me agradece o emprego, as instalações e todo o apoio que lhe tenho dado? Cabrão, cabrão, cabrão! Nem tomates teve para mo dizer? Cindy estava furiosa, e tentava conter a sua raiva no seu pensamento. Eu entendo que me questionem a teimosia, a impulsividade, até o egoísmo!!! Mas fazer-me passar por burra? Não… Isso não! Nem pensar… Quem é este Carlos para achar que me engana? Ganha dinheiro à minha custa, à custa da fama que ganha na minha escola, à custa daquilo que eu investi, e nem me avisa tampouco? Que raiva, que raiva, que raiva!!! Por esta altura, apertava os punhos com tanta força que o sangue já espreitava do encontro das suas unhas vermelhas com a sua pele clara. Cindy sabia ser uma pessoa de extremos. Sabia amar como ninguém quem o merecesse, mas também sabia odiar com igual fervor.

Se fosse a ti, Carlos, desejaria nunca sair da prisão…

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